A última vez que fui à Itália, conheci uma freira brasileira, por
meio de uma amiga comum. Com pouco mais de 30 anos, morava numa
comunidade próxima a Roma. Acompanhada por outra freira, uma siciliana
lindíssima de pele branca e cabelos negros, que poderia fazer sucesso
no mundo da moda ou no cinema, me ciceroneou pelas catacumbas e depois
me levou a um delicioso restaurante no Trastevere. Falamos sobre Deus,
Roma e, é claro, a vida. Perguntei como sua família, de alta classe
média paulista, recebera a notícia de que queria fazer os votos, no
final da adolescência.
– Minha mãe foi contra – disse. Falou que eu não sabia se seria
mais feliz tendo um relacionamento, casando. Que era preciso
experimentar tudo antes de decidir. Mas minha decisão era sólida.
Quando me despedi das duas, parti com uma sensação maravilhosa. As
freiras eram pessoas em paz com a vida e com sua opção. E com um alto
nível de espiritualidade.
Atualmente, há uma inversão de valores em relação ao passado. Há
algumas décadas a opção pela vida religiosa era vista com alegria e
orgulho. Hoje, em grande parte das famílias, é rejeitada. Se um
adolescente quer ser padre, suspeitam que há algo de errado com ele. Se
uma garota decide ser freira, como no caso da minha amiga, muitas vezes
a mãe tenta dissuadir. Não é à toa que a Igreja Católica vive uma crise
de vocações sem precedentes em sua história. Só foi minimizada nos
seminários, que formam sacerdotes, devido à exposição de alguns padres
na mídia, como Marcelo Rossi e Fábio de Melo. Os padres pop estimulam
vocações ao mostrar o sacerdócio como uma opção positiva e fascinante.
O seminário, entre os mais pobres, também é uma maneira de garantir os
estudos. A crise é mais intensa nos mosteiros e conventos.
Recentemente, estive no hospital Santa Catarina, em São Paulo, um
centro de medicina de alto nível. Foi fundado e é gerido pelas irmãs da
Ordem, que vivem num convento ligado ao hospital. Conversando com a
superiora, soube que, no passado, havia 60, 70 freiras. Hoje são apenas
18, muitas delas em idade avançada.
Quando se toca no tema, já se pensa no celibato. Não quero debater
aqui se a Igreja Católica ainda deve exigir a castidade. Sou, sim,
contra padres, monges e freiras que praticam sexo. Na vida, a gente tem
de cumprir aquilo a que se compromete. Sempre ouço alguém dizer, quando
se toca no celibato sacerdotal.
– Mas uma vida sem sexo?
Às vezes acho que damos importância demais ao sexo. Socialmente,
conquistar, “pegar”, é sinônimo de uma vitória. Não condeno ninguém por
pensar assim. O sexo se tornou fácil, descompromissado, um parque de
diversões. Fala-se mais do que se faz. Os bem casados, depois de uns
anos, diminuem o número de relações, em muitos casos deixam de tê-las.
O que une os casais é o vínculo afetivo e espiritual. Acredito que se
possa viver sem sexo e ser feliz. Não acho que o celibato seja a causa
principal da rejeição à vida religiosa.
Os missionários protestantes podem casar. Mas há menos do que as
igrejas desejariam. Tenho um primo que há anos deixou um emprego
burocrático e foi com a família ser missionário na África. A reação da
família foi espetacular. Minhas orelhas ardiam de tanto ouvir sobre sua
“ loucura”. Uma prima falou até que ele deveria ser internado. Já
estive em contato com missionários evangélicos nas ruas de São Paulo.
Nas sextas-feiras e nos sábados, enquanto seus amigos vão para as
baladas, dedicam-se a distribuir sanduíches e a convencer drogados a
tentar uma reabilitação. Encaram traficantes, correm riscos. É óbvio
que, mesmo sem voto de castidade, essas pessoas abdicam de
oportunidades de namoro e relacionamento.
Talvez seja inconcebível, para muita gente, viver sem comprar
sapatos novos, sem carro, sem trocar a decoração da casa. O que está no
cerne da crise de vocações é uma visão consumista da vida, em que o
prazer deve ser imediato. Não só os grandes religiosos, como também os
filósofos, já demonstraram que o prazer é fruto de uma opção mais
profunda. O existencialista Jean-Paul Sartre, que também não anda em
moda ultimamente, dizia que a vida é feita de escolhas. E que as
escolhas são feitas em função de um projeto pessoal. Ser religioso não
é uma opção para todos, é óbvio. Mas como encarar a vida religiosa
quase como um desvio de personalidade se, afinal, somos cristãos? Ainda
acredito que escolher uma causa é uma bela forma de viver.
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