Jesus abre os olhos a quem procura ver
Embora caminho do Servo Padecente, a subida de Jesus a Jerusalém não
deixa de ser também a chegada do Messias. Se, nos domingos anteriores,
a liturgia acentuou, no paradoxal messianismo de Jesus, o lado da
aniquilação, hoje ela insiste num sinal messiânico evidente: a cura de
um cego (evangelho). A revelação de Jesus como messias “diferente”
surge, portanto, da dialética entre o que se esperava do Messias e o
que não se esperava dele. Depois da incompreensão dos discípulos em Mc
8,14-21, Jesus se manifesta como Messias abrindo os olhos ao cego de
Betsaida (8,22-26). Se, por um lado, Jesus proíbe a publicidade (8,26),
por outro, os “iniciados” (os discípulos) já viram bastante para que,
logo depois, Pedro profira a profissão de fé: “Tu és o Messias” (8,29).
Mas ele não sabe o que isso significa, pois ele pensa em categorias
humanas (8,33). Ao fim das predições da Paixão, secção em que os
discípulos são ensinados a respeito da natureza da missão do Cristo,
embora sem a entender plenamente (8,27-10,52), Jesus cura novamente um
cego: Bartimeu, o cego de Jericó. A este, Jesus não lhe proíbe publicar
o acontecido; pelo contrário, o homem “segue Jesus”. Pois é chegada a
hora de revelar seu messianismo, não só aos iniciados, mas à multidão
reunida em Jerusalém. A cura de Bartimeu acontece na saída de Jesus de
Jericó, na direção de Jerusalém, onde Jesus será acolhido, logo depois,
como o rei messiânico (embora a multidão em 11,1ss saiba o que isso
implica … ). Portanto, podemos dizer que, ao abrir os olhos a Bartimeu,
Jesus deixa entrever seu messianismo a todo o povo de Israel.
Abrir os olhos dos cegos era um sinal messiânico de destaque. A 1ª
leitura traz uma profecia, escrita por Jr para animar o “resto de
Israel”, as tribos do Norte, deportadas pelos assírios em 721 a.C.,
sugerindo-lhes a perspectiva da volta (pois no tempo de Josias, ao
iniciar Jeremias seu ministério profético, a Assíria estava muito fraca
e Josias reconquistando a Samaria). As tribos serão reunidas. Mesmo os
cegos e coxos estarão aí. Bartimeu é o representante desta profecia,
quando Jesus sai de Jericó, na direção de Jerusalém, centro da antiga
Aliança.
Mas Bartimeu é também o protótipo dos que querem ver. Esta é a
condição para salvação. Ele é salvo, porque tem fé (10,52). Ele a
demonstrou de modo palpável, insistindo em chamar a atenção de Jesus,
apesar das reprimendas da multidão e dos próprios discípulos. Ele
invoca Jesus como Messias (“Filho de Davi”), em plena multidão e Jesus
confirma sua invocação pelo atendimento que lhe concede. Pressentimos
aqui as multidões de Jerusalém aclamando Jesus como o que traz presente
o “Reino de nosso pai Davi” (11,10). Mas, apesar de todo o entusiasmo,
ele continuará seu caminho até o Gólgota.
A liturgia dos domingos do tempo comum não acompanha Jesus no resto
do caminho da cruz: a Semana Santa é que faz isto. Portanto, será bom,
neste 30° domingo, fazer uma meditação sintética sobre este caminho,
que a alguns domingos estamos acompanhando. Caminho paradoxal, de
sinais e desconhecimento, fé e incompreensão, entusiasmo e aniquilação
… Cada um traz em si alguma esperança messiânica, alguma utopia. Será
que ela corresponde ao critério de Cristo, que mostra ser, ao mesmo
tempo, a negação e a plenitude daquilo que esperamos? Para receber em
plenitude, precisamos admitir uma revisão daquilo que esperamos. Talvez
seja isso que sugere a oração do dia: amar o que Deus ordena e receber
o que ele promete.
A 2ª leitura é semelhante à de domingo passado. Situa o ser
sacerdote de Jesus na sua solidariedade com os homens e com Deus ao
mesmo tempo. Participando de nossa condição, santifica-a. É o pontí-fice
por excelência. Não Jesus mesmo, mas também nenhuma instituição humana,
lhe conferiu este poder. Ele pertence a uma linhagem sacerdotal que
supera até a de Aarão, por ser primeira e de origem desconhecida,
misteriosa: a linhagem de Melquisedec (cf. 14,18-20).
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
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