Frei Jacir de Freitas Faria (*)
Na semana passada, divulgou-se o Censo 2010 do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), pelo qual o número de católicos no
Brasil diminuiu em 9,2%, caindo de 73,6% da população em 2000 para
64,4% em 2010: o de evangélicos cresceu 44% (22% do brasileiros de
hoje). A notícia não assusta, pois era esperada. Desde o tempo da
República, quando da divisão da Igreja e Estado, o catolicismo vem
perdendo espaço no Brasil.
A constatação, no entanto, merece algumas considerações. Desde o
final da década de 1970, o Brasil iniciou um processo acentuado de
passagem do mundo rural para o urbano. A Igreja Católica, tendo em
vista o mundo rural antigo, se organizou em dioceses (Administração da
Casa) e paróquias (Segunda casa), e assim permanece até os nossos dias,
no estilo rural. A vida urbana é mobilidade por excelência.
O Brasil saiu da roça, sem nenhuma conotação pejorativa do termo,
mas a roça não saiu da Igreja. Prova disso é que o censo comprovou que
no interior o catolicismo ainda é forte, 77,8%. Da população rural que
migrou para as cidades, os fazendeiros foram para bairros abastados e
Centro, já os pobres foram para vilas e favelas, mas a Igreja, nas
pessoas de suas lideranças, padres e bispos, não foram juntos. Sem
padres, os católicos procuraram outros pastores. Mesmo sabendo da
urgência da presença, muitos padres preferem a comodidade das paróquias
bem estabelecidas.
A leva de padres cantores midiáticos não foi capaz de impedir os
avanços dos evangélicos pentecostais. No entanto, se não fossem eles, a
situação poderia ser mais alarmante. Os discursos mais personalizados e
voltados para a solução de questões econômicas imediatas dos
evangélicos pentecostais atraíram mais os pobres que os discursos
coletivos, teológica e dogmaticamente bem pautados do catolicismo.
A diversificação religiosa e o individualismo tendem a ser caminho
do Brasil nas próximas décadas. A pessoa que crê, mas não
necessariamente opta por serviços religiosos institucionais regulares,
mostra o que ficou evidente na migração dos evangélicos da Igreja
Universal do Reino de Deus para a do Mundial do Poder de Deus e da
Assembleia de Deus, sobretudo. O discurso em prol da criação de
comunidades e do amor ao próximo do catolicismo, essência do seu modo
de ser, não tem atraído a modernidade. Isso ficou evidente no abandono
eclesial católico do discurso social da Teologia da Libertação, que
muito influenciou a sociedade e a política brasileira nas décadas de
1970 e 1980. Muitos dos chamados católicos não praticantes encontraram
abrigos nas igrejas evangélicas.
A identificação da Igreja Católica com dogmas de fé, considerados
pela modernidade como conservadores, é um dos motivos que também não
podem deixar de ser considerados, embora ele não seja decisivo para
muitos católicos deixarem a instituição. A dificuldade católica de
falar a linguagem midiática, sobretudo com a juventude, é outro fator
preponderante. A diminuição do clero, aliada ao tempo longo de formação
de um padre, em comparação à facilidade com que um que pastor
convertido transforma uma loja em igreja na periferia, o que propiciou
o surgimento de negócios de fé.
Todos esses fatores acima apresentados merecem a reflexão dos
cristãos. Não é saudável o discurso da quantidade, embora seja ele o
foco da notícia, mas a qualidade de nossa fé. A volta às origens do
cristianismo faria muito bem a todos nós, quando lembramos que o
cristianismo era religião de minorias, provido de um discurso pessoal,
social, comunitário e comprometido com a Boa-Nova de Jesus e a vivência
de sua ressurreição que começa aqui e agora, sem pedágios, promessas de
céu e medo do inferno.
(*) Escritor, exegeta e diretor do Colégio Santo Antônio de Belo Horizonte.
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