Nas ladainhas chamamos Maria ”Porta do Céu”. Porta para nós subirmos, ou para Deus descer? A festa de hoje confirma as duas interpretações.
“Nascido de mulher, nascido sob a Lei”, assim Paulo qualifica Jesus (1ª leitura).
Jesus nasceu como todo ser humano de uma mãe humana, Maria, e dentro de uma sociedade humana, a sociedade
de Israel, com sua “lei”, regime ao mesmo tempo religioso e sociopolítico. O evangelho narra que Jesus, no oitavo dia do nascimento, foi acolhido na sociedade judaica pela circuncisão e pela imposição do nome, como teria acontecido a qualquer masculino dentre nós se tivesse nascido naquela sociedade.
Maria é, portanto, mãe do verdadeiro homem e judeu Jesus de Nazaré, mas nós a celebramos hoje como “Mãe de Deus”… Como se conjugam essas duas maternidades? Não são duas, são uma só!.
O título “Mãe de Deus” foi conferido a Maria pelo Concílio de Éfeso no ano 431 d.C. Este mesmo concílio insistiu que Jesus foi igual a nós em tudo menos o pecado (cf. Hb 4, 15) e viveu e sofreu na carne de maneira verdadeiramente humana. Vinte anos depois, o concílio de Calcedônia chamou Jesus “verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem”. É por ser mãe de Jesus humanamente que Maria é chamada Mãe de Deus, pois a humanidade e a divindade de Jesus humanamente que Maria é chamada Mãe de Deus, pois a humanidade e a divindade de Jesus não se podem separar. Dando Jesus ao mundo Maria deu Deus a todos nós.
Em Jesus, Maria faz Deus nascer no meio do povo. Maria é o ponto de inserção de Deus na humanidade. Neste sentido ela é “porta do céu”, porta para Deus que desce até nós e pela qual nós temos acesso a Deus. Toda mulher-mãe é ponto de inserção de vida nova no meio do povo. Em Maria, essa vida nova é vida divina. Deus se insere no povo por meio da maternidade que ele mesmo criou.
De maneira semelhante, Deus respeita também a Lei que ele mesmo criou e comunicou ao povo. Seu Filho nasceu sob a Lei e foi circuncidado conforme a Lei. As estruturas políticas e sociais do povo, quando condizentes com a vontade de Deus, são instrumento para Deus se tornar presente em nossa história. Deus mostrou isso em Jesus. E quando as leis e estruturas são manipuladas a ponto de se tornarem injustas, o Filho de Deus as assume para as transformar no sentido do seu amor. Por isso, Jesus morreu por causa da Lei, injustamente aplicada a ele.
Assim como pela maternidade humano-divina Maria se tornou “Porta do Céu”, a comunidade humana é chamada a tornar-se acesso de Deus ao mundo e do mundo a Deus. A vida do povo, suas tradições, cultura e estruturas políticas e sociais devem ser um caminho de Deus e para Deus, não um obstáculo. Por isso é preciso transformar a vida humana e as estruturas da sociedade, quando não servem para Deus e não condizem com a dignidade que Deus lhes conferiu pelo nascimento de Jesus de mulher e sob a Lei.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
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