O tema central de hoje é a adoração de Deus, aquilo que o A.T.
entende por “temor de Deus”: não medo infantil diante de um Deus
policial, mas submissão e receptividade diante do mistério. Israel não
pode “temer” outros deuses (2 Rs 17,7.35 etc.). Só a amizade (“graça”)
do Senhor vale a pena temer perder. Tal temor de Deus se expressa,
antes de tudo, na Lei do Sinai, cujo resumo são os Dez Mandamentos (1ª
leitura). Inicia com o mandamento do temor de Javé: só a Javé se deve
adorar, pois ele é um Deus que age: tirou Israel do Egito. Mas o temor
de Deus não diz respeito tão-somente à atitude diante de Deus, mas
também ao relacionamento com o próximo (o co-israelita). Pois Javé não
estaria bem servido com um povo cujos membros se devorassem mutuamente.
Daí o “culto” (veneração de Deus) implicar imediatamente um ethos
(critérios de comportamento). No espírito dos antigos israelitas, o
Decálogo era algo como um pacto feudal. Javé era o suserano, que
fornecia força e proteção, mas esperava da parte do vassalo, Israel,
colaboração e “temor”, a adoração de Javé e o relacionamento fraterno
no seio do próprio povo. Pois, sem estas duas condições, Israel não
valeria nada como “povo de Javé”. Em termos nossos: para servir (para)
Deus, não basta ser piedoso; é preciso “ser gente” no relacionamento
com os irmãos.
Jesus veio nos ensinar, não tanto por suas palavras, mas, sobretudo,
por seu gesto de doação total, o que é obedecer a Deus e ser irmão dos
homens. Seu gesto é mais eloqüente do que qualquer decálogo. Doravante,
a adoração de Deus não mais se chama temor, mas amor a Deus (1Jo 4,18).
Porque em Jesus Deus não se revela como guerreiro, como no tempo do
Êxodo, mas como “meu Pai e nosso Pai” (Jo 20,18). Por isso, Jesus é o
verdadeiro lugar de adoração de Deus. “Vem a hora, e já chegou, em que
os verdadeiros adoradores não mais adorarão no templo de Jerusalém ou
no monte Garizim, na Samaria, mas em espírito e verdade”, i.é, naquilo
que Jesus nos comunica (Jo 4,22-25). Evocando a visão da glória no
templo (Is 6), Jo 1,14 escreve: “O gesto de comunicação de Deus se
tornou existência humana e (nesta) nós contemplamos sua glória”. Jesus
é o novo templo, lugar da manifestação da glória (cf. 2,11), sobretudo,
na “hora” da morte (12, 23.28; 13,31; 17,1 etc.). Por isso, quando Jo
narra que Jesus purificou o templo de Jerusalém, não destaca – como Mc
– que Jesus se revoltou contra a abusiva correria e profanação no
templo. Jo escreve que Jesus expulsou até os animais do sacrifício; em
outros termos, pôs fim ao culto do templo; e no diálogo explicativo que
segue (2,18-22), o corpo do Cristo ressuscitado e glorioso se revela
ser o novo templo, que em três dias será erguido (evangelho).
Em tal contexto, entendemos o “fanatismo” com que Paulo anuncia a
cruz de Cristo (2ª leitura). Escândalo para os judeus, porque a cruz é
um instrumento indigno para a morte de um judeu. Loucura para os
pagãos, com sua filosofia elitista (estóicos) ou hedonista. Mas para os
chamados dentre todos os povos e nações, é a revelação da força de Deus
e de sua sabedoria. Nós sabemos por quê: porque Deus quer conquistar
corações, que se convertem diante da conseqüência de seu próprio
orgulho. Por isso, o acesso a Deus acontece doravante no Cristo
rejeitado, pois é nele que encontramos o gesto de reconciliação de Deus
para conosco.
Chamamos a atenção para o canto da comunhão, a alegria de estar na
morada de Deus, “con-templar”. O ativismo que invadiu a vivência cristã
ameaça esta presença junto de Deus, que, contudo, é condição
indispensável para colocarmo-nos em sintonia com sua maneira de salvar
que é a cruz.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
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